Betty Gofman dá vida a Zezé Macedo em monólogo que revive a comédia brasileira

Quando Betty Gofman entra em cena com o vestido de chita e o penteado rígido de Zezé Macedo, o público não vê uma atriz interpretando uma personagem — vê uma legenda voltando à vida. O monólogo A Vingança do Espelho: A História de Zezé Macedo, escrito por Flavio Marinho e dirigido por Amir Haddad, não é apenas um tributo. É uma ressurreição. Estreado em 2012, o espetáculo retorna ao Teatro Laura Alvim, na Avenida Borges de Medeiros, 761, no Leme, Rio de Janeiro, com estreia marcada para 19 de outubro, após uma temporada em São Paulo e uma série de apresentações que já emocionaram plateias de norte a sul do país.

Uma vida inteira em 121 minutos

Zezé Macedo, nascida em 1916 em Silva Jardim, interior do Rio de Janeiro, foi uma das primeiras mulheres a dominar a comédia brasileira em tempos em que o palco era quase exclusivamente masculino. O monólogo não economiza detalhes: mostra a menina que brincava de fazer caretas para os vizinhos, a jovem que perdeu o filho ainda criança — um trauma que nunca curou — e a artista que enfrentou o preconceito para se tornar ícone do teatro de revista, do cinema chanchada e, depois, da TV. A peça não se limita aos bastidores da Escolinha do Professor Raimundo. Ela desvenda os silêncios, os amores não correspondidos, as rivalidades com colegas, os rejeitos da elite cultural que chamava seu humor de "baixo". E ainda inclui uma homenagem da escola de samba Imperatriz Leopoldinense, que a homenageou no carnaval de 1988 — um gesto que, segundo Gofman, "foi o reconhecimento que ela nunca pediu, mas merecia".

A atriz que se tornou espelho

Betty Gofman, nascida em 1959 no Rio, já tinha uma carreira sólida antes de encarar Zezé. Estreou em novelas em 1985 com Ti Ti Ti, fez filmes como Feliz Ano Velho e Cronicamente Inviável, e atuou em clássicos do teatro como Casa de Bonecas e Orlando. Mas foi com este monólogo que ela se transformou. "Não foi interpretar. Foi habitar", disse ela em entrevista ao Programa do Jô. "Zezé tinha um jeito de falar que parecia que a língua estava sempre prestes a escapar da boca. Um riso que vinha do peito, não da garganta. E eu tive que aprender a respirar como ela." A preparação incluiu horas de arquivo, entrevistas com familiares e até a observação de vídeos antigos com a câmera em câmera lenta. O resultado? Um desempenho que levou a atriz a ser convidada, em 2015, para interpretar diretamente a personagem de Zezé: Dona Bela, na nova versão da Escolinha do Professor Raimundo. "Foi como se ela me tivesse passado a tocha", contou Gofman no Encontro com Fátima Bernardes.

Um espetáculo que atravessa gerações

O monólogo tem 121 minutos e classificação indicativa de 12 anos — não por conteúdo explícito, mas por densidade emocional. Crianças rirão das caretas de Dona Bela, mas os adultos sentirão o peso da perda, da solidão e da luta por respeito. "Zezé não era só a tia engraçada da TV. Ela era uma mulher que sobreviveu a um Brasil que não valorizava mulheres negras, pobres e que riam alto", diz o diretor Amir Haddad. O espetáculo foi filmado e disponibilizado no Globoplay, mas quem viu ao vivo conta que a experiência é outra. "O silêncio que se faz quando ela fala da morte do filho... não tem áudio que capture. É como se o teatro inteiro deixasse de respirar".

A estreia no Teatro Laura Alvim será precedida por um ensaio aberto ao público, no dia 15 de outubro, com entrada gratuita. A iniciativa foi pensada para que moradores do Leme e da zona sul pudessem conhecer a história de uma mulher que, como diz o título da peça, "vingou-se do espelho" — não com ódio, mas com riso, coragem e arte.

Por que isso importa agora?

Por que isso importa agora?

Em um momento em que a memória cultural brasileira é frequentemente apagada ou distorcida, A Vingança do Espelho é um ato de resistência. Zezé Macedo foi apagada dos livros de história, relegada ao papel de "cômica de segunda". Mas sua influência é imensa: de Regina Casé a Sônia Braga, muitas atrizes admitem que aprenderam a usar o humor como arma de empoderamento graças a ela. O espetáculo não apenas a resgata — ele a coloca no lugar que sempre mereceu: no centro da cena da comédia nacional.

Do Rio a São Paulo: uma jornada que não terminou

A peça já circulou por Salvador, Belo Horizonte e, em 2017, estreou em São Paulo, conforme noticiado pelo Glamurama. A resposta foi tão forte que houve prorrogação de temporadas. "O público de SP não conhecia Zezé como o Rio conhece. Mas quando viam Gofman, choravam. Não por nostalgia — por identificação", contou a produtora da peça. Agora, com a volta ao Rio, o objetivo é ampliar a audiência entre jovens. "Queremos que as novas gerações saibam que antes de Chaves e Malhação, havia uma mulher que fez o Brasil rir com a verdadeira dor de viver".

Frequently Asked Questions

Por que Betty Gofman foi escolhida para interpretar Zezé Macedo?

Betty Gofman foi escolhida por sua formação teatral sólida, experiência com personagens complexas e capacidade de transformação física e vocal. Ela já havia atuado em peças que exigiam profundidade emocional, como Casa de Bonecas, e sua conexão com o teatro de revista — estilo que Zezé dominou — foi decisiva. Além disso, sua própria trajetória como mulher na arte brasileira a tornou a única capaz de transmitir a força e a fragilidade de Zezé sem cair no caricato.

O que há de novo na versão atual do espetáculo?

A versão de 2024 inclui novos trechos de entrevistas gravadas por Zezé Macedo, que foram restauradas por arquivos da TV Globo. Também foi adicionado um segmento sobre sua relação com o movimento negro e o feminismo dos anos 1970, ainda pouco explorado. A cenografia foi atualizada com projeções digitais que recriam cenas de filmes antigos, e o figurino foi reconstruído com base em roupas originais da própria Zezé, emprestadas pela família.

Como o espetáculo impactou a carreira de Betty Gofman?

Após o monólogo, Gofman passou a ser reconhecida não apenas como atriz, mas como guardiã da memória da comédia brasileira. Foi convidada para entrevistas em programas nacionais, participou de debates sobre identidade cultural e, mais importante, foi escolhida para reprisar Dona Bela na nova Escolinha em 2015. Isso a levou a uma nova audiência, especialmente entre jovens que não conheciam Zezé. O espetáculo foi o ponto de virada em sua carreira, abrindo portas para papéis mais profundos e significativos.

Zezé Macedo é conhecida apenas por Dona Bela?

Não. Embora Dona Bela tenha sido seu papel mais famoso, Zezé atuou em mais de 30 filmes de chanchada nos anos 1950 e 60, como Os Trapalhões na Terra dos Monstros e As Aventuras de Zezé. No teatro, foi estrela de revistas como As Vaidades da Vida e As Mulheres do Rio. Sua voz e estilo único influenciaram gerações de comediantes, e ela foi uma das primeiras mulheres a ter contrato exclusivo com a TV Globo, em 1972 — antes mesmo de muitos homens da época.