Eclipse solar provoca 'coro matinal falso' em aves, revela estudo da Universidade de Indiana

Quatro minutos de escuridão foram suficientes para enganar centenas de espécies de aves em Bloomington, Indiana. No dia 8 de abril de 2024, durante o eclipse solar total — conhecido como o "Grande Eclipse Americano" —, aves que normalmente cantam ao amanhecer se comportaram como se o sol tivesse acabado de nascer, mesmo sendo meio-dia. O fenômeno, chamado pelos cientistas de "coro matinal falso", foi documentado em um estudo publicado na Science em 9 de outubro de 2025, liderado por Liz Aguilar, estudante de doutorado em evolução, ecologia e comportamento na Universidade de Indiana. A descoberta não só surpreendeu a comunidade científica, como abriu uma nova janela para entender como a luz regula os ritmos biológicos dos animais — e como a poluição luminosa pode estar desregulando-os silenciosamente.

Um experimento natural, coordenado por cidadãos

O estudo não foi feito apenas por pesquisadores em laboratório. Ele se baseou na ciência cidadã: mais de 1.700 voluntários, de todos os níveis de experiência, usaram o aplicativo SolarBird, criado especialmente para o evento, para registrar observações e gravar sons. Ao todo, foram coletadas 11.000 observações e mais de 100.000 gravações de áudio. Isso permitiu aos cientistas analisar o comportamento de 52 espécies de aves em tempo real, algo impossível com métodos tradicionais. "Nunca tivemos dados tão ricos, tão abrangentes, sobre como aves reagem a mudanças rápidas de luz", disse Aguilar. "Aqui, o eclipse foi nosso laboratório natural." Durante os quatro minutos de totalidade, 12 espécies mudaram seu comportamento: algumas ficaram silenciosas, outras se agitaram. Mas foi após o retorno da luz que o fenômeno mais intrigante aconteceu. Dezenove espécies — entre elas, tordos-americanos e corujas-barradas — entraram em um coro intenso, como se fosse o amanhecer. "Foi como se o relógio biológico delas tivesse sido resetado", explicou Aguilar. "A luz é o gatilho mais poderoso para o canto matinal. E mesmo uma noite artificial de quatro minutos foi capaz de enganar o sistema.""

Quem cantou mais? E quem ficou calado?

As reações variaram radicalmente entre as espécies. Os tordos-americanos, conhecidos por seus coros matinais estridentes, cantaram seis vezes mais do que o normal após o eclipse. As corujas-barradas, que normalmente vocalizam ao entardecer, aumentaram sua atividade vocal em quatro vezes — como se o eclipse tivesse criado um novo crepúsculo. "Isso nos diz que elas não estão apenas respondendo à escuridão, mas interpretando a mudança de luz como um sinal de hora do dia", afirmou Aguilar. Mas nem todas reagiram. As corruíras-da-carolina, aves igualmente vocais ao amanhecer, não mostraram nenhuma alteração. "Isso foi o mais estranho", admitiu a pesquisadora. "Elas são as mais ruidosas de manhã, mas não caíram no truque. Talvez por serem mais territoriais, ou por terem um controle mais rígido sobre seus ritmos." O estudo também revelou que as mudanças só ocorreram onde o eclipse foi total — ou seja, onde mais de 99% do sol foi obscurecido. Em áreas com apenas 80% de cobertura, as aves continuaram suas atividades normais. "Isso é crucial", diz o artigo complementar publicado no Phys.org. "A luz não é um interruptor binário. As aves percebem nuances. E só quando a escuridão se assemelha à de um pôr do sol real, elas reagem.""

Por que isso importa para o mundo real?

O impacto vai além da curiosidade científica. A descoberta tem implicações diretas para a conservação. Em cidades, a poluição luminosa — luzes de ruas, prédios, anúncios — mantém o céu artificialmente claro à noite. Isso já é conhecido por desorientar pássaros migratórios. Mas agora, sabe-se que também pode estar enganando seus relógios internos. "Se aves em áreas urbanas estão cantando à noite, ou silenciando de manhã, é porque a luz artificial está interferindo em seus ciclos biológicos", explica Aguilar. "Isso afeta reprodução, alimentação, até a sobrevivência."" O estudo também levanta questões sobre o impacto da urbanização acelerada. "Nós não percebemos, mas estamos mudando o ritmo da natureza com lâmpadas LED e telas brilhantes. As aves não têm como se adaptar rápido o suficiente." O que vem a seguir?

O que vem a seguir?

A equipe da Universidade de Indiana já planeja expandir a pesquisa. Nos próximos dois anos, vão monitorar populações de aves em áreas urbanas, rurais e suburbanas, comparando padrões de canto antes e depois da instalação de novas fontes de luz. "Queremos mapear exatamente quais intensidades e cores de luz afetam quais espécies", diz Aguilar. "Talvez, em breve, possamos recomendar que cidades usem luzes mais quentes, ou que desliguem iluminação em horários críticos durante a migração." O estudo também reforça o poder da ciência cidadã. "Sem esses voluntários, isso seria impossível. Eles não só coletaram dados — eles se tornaram parte da descoberta."

Um novo olhar sobre a luz

O eclipse de 2024 foi um evento raro. Mas o que ele revelou é permanente: a luz é um dos pilares da vida animal. E quando a natureza é enganada — mesmo por poucos minutos —, os efeitos podem ser profundos. "Agora sabemos que aves não estão apenas reagindo ao dia e à noite. Elas estão respondendo a um sinal luminoso tão preciso que um eclipse pode ser um gatilho para o amanhecer. Isso muda tudo que pensávamos sobre como o mundo natural se organiza."

Frequently Asked Questions

O que é o "coro matinal falso" observado no eclipse?

O "coro matinal falso" é um comportamento em que aves que normalmente cantam ao amanhecer começam a cantar intensamente após o retorno da luz solar, mesmo em pleno dia. No eclipse de 2024, 19 espécies em Bloomington, Indiana, reagiram à escuridão temporária como se fosse o fim da noite, produzindo vocalizações típicas do início da manhã — algo que os cientistas nunca tinham observado antes em escala tão ampla.

Quais espécies reagiram mais fortemente ao eclipse?

Os tordos-americanos aumentaram seus cantos em seis vezes o normal, enquanto as corujas-barradas vocalizaram quatro vezes mais. Ambas são espécies conhecidas por coros matinais intensos. Em contraste, as corruíras-da-carolina, apesar de serem muito vocais ao amanhecer, não mostraram nenhuma mudança, sugerindo que diferentes espécies têm sensibilidades distintas à luz.

Por que o eclipse só afetou aves onde houve totalidade?

As mudanças comportamentais só ocorreram em áreas onde mais de 99% do sol foi bloqueado. Isso indica que as aves não respondem à escuridão geral, mas a uma mudança luminosa que imita o crepúsculo. Em regiões com apenas 80% de cobertura, a luz residual era suficiente para manter seus ritmos biológicos inalterados.

Como isso se relaciona com a poluição luminosa nas cidades?

A luz artificial à noite pode estar enganando aves urbanas, fazendo-as cantar fora de hora ou silenciar ao amanhecer. O estudo sugere que isso afeta sua reprodução, alimentação e migração. Se o eclipse pode enganar aves em minutos, a luz constante das cidades pode estar causando estresse crônico — uma ameaça silenciosa à biodiversidade.

Qual foi o papel da ciência cidadã neste estudo?

Mais de 1.700 voluntários usaram o aplicativo SolarBird para coletar 11.000 observações e 100.000 gravações de áudio durante o eclipse. Sem essa rede de cidadãos, seria impossível obter dados em escala continental. O projeto demonstrou que o público pode contribuir com dados de alta qualidade, transformando eventos raros em oportunidades científicas únicas.

O que os pesquisadores vão fazer a seguir?

A equipe da Universidade de Indiana planeja monitorar aves em ambientes urbanos, rurais e suburbanos, comparando padrões de canto antes e depois da instalação de novas fontes de luz. O objetivo é identificar quais cores e intensidades de luz afetam mais as espécies, para criar recomendações de iluminação pública que minimizem o impacto na vida selvagem.