Com o falecimento de Sergio Bermudes, aos 79 anos, no Rio de Janeiro, a advocacia brasileira perdeu um dos seus maiores símbolos de coragem e integridade. O jurista, fundador de um dos maiores escritórios do país, morreu na segunda-feira, 27 de outubro de 2025, no Hospital Copa Star, na Zona Sul da cidade, sem que a causa da morte tenha sido divulgada. Sua trajetória — mais de cinco décadas de atuação — foi marcada por defesas históricas durante a Ditadura Militar, por um legado de justiça e por uma ligação profunda com sua terra natal, Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo.
Um herói silencioso da democracia
Durante os anos mais sombrios da ditadura militar, quando a censura e a repressão eram norma, Sergio Bermudes escolheu o caminho mais difícil: defender os indefesos. Representou Eunice Paiva, viúva do deputado federal Rubens Paiva, desaparecido e provavelmente assassinado pela repressão. Também foi o advogado da viúva de Vladimir Herzog, jornalista morto sob custódia do Exército em 1975 — um caso que, anos depois, resultou na primeira condenação do Estado brasileiro por tortura e assassinato em tribunal internacional. Não era um ativista de cartazes. Era um jurista que usava a lei como arma — e ganhava.Na época, muitos colegas evitavam esses casos. Bermudes os abraçava. "Ele não tinha medo de enfrentar o poder", lembra um ex-colega do escritório que pediu para não ser identificado. "Ele sabia que, se não fosse ele, ninguém faria. E isso pesava mais do que qualquer risco".
Luto nacional e homenagens de alto nível
O impacto de sua morte foi imediato. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil decretou luto oficial de três dias em todo o território nacional. O presidente da OAB, Beto Simonetti, assinou uma nota que ecoou por todo o país: "Sergio Bermudes reuniu talento, coragem e rigor técnico em uma trajetória que honra a advocacia brasileira. Sua atuação firme em momentos-chave da nossa história deixa um legado de integridade e compromisso com a profissão".Em Cachoeiro de Itapemirim, onde nasceu em 1946, o governador Renato Casagrande decretou luto estadual. "Lamento profundamente o falecimento do advogado e jurista capixaba, cachoeirense Sergio Bermudes, referência nacional no Direito e orgulho para o nosso Estado", disse o governador. O município, a 118 km de Vitória, já tem uma rua com seu nome — e agora, espera-se que uma escola ou um centro jurídico leve seu nome para sempre.
No Rio de Janeiro, onde construiu seu escritório e viveu grande parte da vida, o governador Cláudio Castro também se manifestou: "O Brasil perdeu hoje Sergio Bermudes, um dos maiores nomes na advocacia. Sua trajetória foi marcada pela inteligência, pela dedicação ao Direito e pela construção de um dos escritórios mais respeitados do país".
Doação e raízes: o homem além da toga
Menos conhecido, mas igualmente significativo, foi seu compromisso com sua cidade natal. Em 2018, Sergio Bermudes doou R$ 1.000.000,00 para projetos sociais em Cachoeiro de Itapemirim — dinheiro destinado a bibliotecas, cursos de direito para jovens de periferia e apoio a famílias de vítimas da violência. "Ele nunca esqueceu de onde veio", diz Maria do Carmo, diretora de uma ONG local que recebeu a verba. "Dizia que a justiça não começa no tribunal, mas na escola, na rua, no acesso à informação".Imagens de arquivo mostram Bermudes ministrando palestras em universidades de todo o Brasil — inclusive no Maranhão, onde foi recebido como um herói por estudantes de direito. A TV Mirante e o G1 divulgaram imagens raras de suas aulas, onde ele falava com simplicidade, sem jargões, como se estivesse conversando com um amigo.
Legado que não morre com ele
O escritório que fundou, hoje com mais de 300 advogados, continua ativo. Mas o verdadeiro legado está nos casos que ele abriu caminho para outros seguirem. Antes dele, poucos advogados ousavam processar o Exército. Hoje, a Justiça brasileira tem mais de 50 processos de direitos humanos abertos por famílias de vítimas da ditadura — e muitos deles usam precedentes criados por Bermudes.Ele foi um dos poucos juristas que uniu técnica jurídica com coragem moral. Não era um ativista. Era um advogado que entendeu que a lei, quando aplicada com coragem, é a melhor forma de resistência. E isso, na prática, mudou o Brasil.
O que vem a seguir?
A OAB já anunciou que criará uma medalha em homenagem a Sergio Bermudes, concedida anualmente a profissionais que demonstrem excepcional compromisso com direitos humanos. O Ministério da Justiça também está discutindo a nomeação de um centro de estudos jurídicos em sua memória, com sede em Cachoeiro de Itapemirim e um polo no Rio de Janeiro.Enquanto isso, o escritório de advocacia que ele fundou anunciou que manterá todos os processos de direitos humanos em andamento — e que abrirá uma bolsa de estudos para 10 jovens de baixa renda em universidades públicas, em seu nome.
Frequently Asked Questions
Quais foram os principais casos que Sergio Bermudes defendeu durante a Ditadura Militar?
Bermudes atuou como advogado de Eunice Paiva, viúva do deputado Rubens Paiva, desaparecido político da ditadura, e da viúva de Vladimir Herzog, jornalista assassinado pela repressão em 1975. Seus argumentos jurídicos foram fundamentais para o reconhecimento oficial do assassinato por parte do Estado brasileiro, contribuindo para a primeira condenação internacional do regime por violações de direitos humanos.
Por que o luto foi decretado em nível nacional e estadual?
O luto foi decretado pela OAB Nacional, pelo governador do Espírito Santo e pelo governador do Rio de Janeiro em reconhecimento à trajetória única de Bermudes — que uniu excelência jurídica, coragem política e compromisso com a democracia. Sua atuação em momentos críticos da história brasileira o tornou um símbolo da profissão, além de um orgulho nacional e estadual.
Qual foi o impacto da doação de R$ 1 milhão de Bermudes para Cachoeiro de Itapemirim?
A doação de R$ 1 milhão foi usada para financiar bibliotecas jurídicas, cursos gratuitos de direito para jovens de periferia e apoio a famílias afetadas pela violência. O valor, raro para a época, transformou o acesso à educação jurídica na região e inspirou outras iniciativas similares em municípios do interior do Espírito Santo.
Como a advocacia brasileira mudou após a atuação de Sergio Bermudes?
Antes dele, poucos advogados ousavam processar o Estado por tortura. Bermudes provou que a lei poderia ser usada como ferramenta de resistência. Seus precedentes abriram caminho para centenas de ações de direitos humanos nos anos 1990 e 2000, e hoje são referência obrigatória em faculdades de direito. Ele mudou a cultura da advocacia — de submissão a coragem.
O escritório de Sergio Bermudes ainda existe?
Sim. O escritório, fundado nos anos 1970 no Rio de Janeiro, continua ativo com mais de 300 profissionais. Ele anunciou antes de sua morte que manteria todos os processos de direitos humanos em andamento e criaria uma bolsa de estudos para jovens de baixa renda — um legado vivo da sua crença em justiça social.
Por que ele é considerado um orgulho do Espírito Santo?
Apesar de ter construído sua carreira no Rio, Bermudes nunca esqueceu suas raízes em Cachoeiro de Itapemirim. Sua doação de R$ 1 milhão, sua presença constante em eventos locais e sua defesa de causas sociais na região fizeram dele um símbolo de superação e ética. O governador do estado o chamou de "filho mais ilustre" — e a população capixaba concorda.